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O Aleijadinho
O Aleijadinho

     
 


O ALEIJADINHO

 

Muitas dúvidas cercam a vida de Antônio Francisco Lisboa. Praticamente todos os dados hoje disponíveis são derivados de uma biografia escrita em 1858 por Rodrigo José Ferreira Bretas, 44 anos após a morte do Aleijadinho, baseando-se alegadamente em documentos e depoimentos de indivíduos que haviam conhecido pessoalmente o artista. Contudo, a crítica recente tende a considerar essa biografia em boa medida fantasiosa, parte de um processo de magnificação e dramatização de sua personalidade e obra, numa manipulação romantizada de sua figura cujo intuito era elevá-lo à condição ícone da brasilidade, um misto de herói e artista, um "gênio singular, sagrado e consagrado", como descreveu Roger Chartier. O relato de Bretas, contudo, não pode ser completamente descartado, pois sendo a mais antiga nota biográfica substancial sobre Aleijadinho, sobre ela se construiu a maioria das biografias posteriores, mas as informações que traz precisam ser encaradas com algum ceticismo, sendo difícil distinguir o que é fato do que foi distorcido pela tradição popular e pelas interpretações do escritor. Biografias e estudos críticos realizados pelos modernistas brasileiros na primeira metade do século XX também fizeram interpretações tendenciosas de sua vida e obra, aumentando a quantidade de estereótipos em seu redor, que ainda hoje se perpetuam na imaginação popular e em parte da crítica, e são explorados tanto por instâncias culturais oficias como pelas agências de turismo das cidades onde ele deixou sua produção.

A primeira notícia oficial sobre Aleijadinho apareceu em 1790 em um memorando escrito pelo capitão Joaquim José da Silva, cumprindo ordem régia de 20 de julho de 1782 que determinava se registrassem em livro oficial os acontecimentos notáveis, de que houvesse notícia certa, ocorridos desde a fundação da Capitania de Minas Gerais. O memorando, escrito ainda em vida de Aleijadinho, continha uma descrição das obras mais notáveis do artista e algumas indicações biográficas, e em parte nele se baseou Bretas para escrever os Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho, onde reproduziu trechos do documento original, que mais tarde se perdeu.[6]

Detalhe de Ouro Preto, com a Igreja do Carmo, projeto em parte de Aleijadinho

Primeiros anos e formação

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, era filho natural de um respeitado mestre de obras e arquiteto português, Manuel Francisco Lisboa, e sua escrava africana, Isabel. Na certidão de batismo invocada por Bretas consta que Antônio, nascido escravo, fora batizado em 29 de agosto de 1730 na então chamada Vila Rica, atual Ouro Preto, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, tendo como padrinho Antônio dos Reis e sendo alforriado na ocasião por seu pai e senhor. Na certidão não consta a data de nascimento da criança, que pode ter ocorrido alguns dias antes.[7] Entretanto, há argumentos fortes que levam atualmente a se considerar mais provável que tenha nascido em 1738, pois em sua certidão de óbito consta como data de seu falecimento 18 de novembro de 1814, acrescentando que o artista tinha então 76 anos de idade.[8][9] A data de 1738 é aceita pelo Museu Aleijadinho localizado em Ouro Preto,[10] e segundo Vasconcelos o manuscrito original de Bretas, encontrado no arquivo da Arquidiocese de Mariana, remete o nascimento a 1738, advertindo corresponder a data ao registrado na certidão de óbito do artista; o motivo da discrepância entre as datas no manuscrito e no opúsculo que foi impresso não é clara.[11] Em 1738 seu pai casou com Maria Antônia de São Pedro, uma açoriana, e com ela deu quatro meios-irmãos a Aleijadinho, e foi nesta família que o artista cresceu.[12]

Segundo Bretas o conhecimento que Aleijadinho tinha de desenho, de arquitetura e escultura fora obtido de seu pai e talvez do desenhista e pintor João Gomes Batista.[13] Terá frequentado o internato do Seminário dos Franciscanos Donatos do Hospício da Terra Santa de 1750 até 1759, em Ouro Preto, onde aprenderia Gramática, Latim, Matemática e Religião. Entrementes, assistia seu pai nos trabalhos que ele realizava na Matriz de Antônio Dias e na Casa dos Contos, trabalhando também com seu tio Antônio Francisco Pombal, entalhador, e Francisco Xavier de Brito. Colaborou com José Coelho Noronha na obra da talha dos altares da Matriz de Caeté, projeto de seu pai. Data de 1752 o seu primeiro projeto individual, um desenho para o chafariz do pátio do Palácio dos Governadores em Ouro Preto.[10]

Maturidade

Em 1756 pode ter ido ao Rio de Janeiro acompanhando Frei Lucas de Santa Clara, transportador do ouro e diamantes que deveriam ser embarcados para Lisboa, onde pode ter recebido influência dos artistas locais. Dois anos depois teria criado um chafariz de pedra-sabão para o Hospício da Terra Santa, e logo em seguida lançou-se como profissional autônomo.[10] Contudo, sendo mulato, muitas vezes foi obrigado a aceitar contratos como artesão diarista e não como mestre. Da década de 1760 até próximo da morte realizou uma grande quantidade de obras, mas na ausência de documentação comprobatória, diversas têm uma autoria controversa e são a rigor consideradas apenas atribuições, baseadas em critérios de semelhança estilística com sua produção autenticada.[1] Em 1767 morreu-lhe o pai, mas Aleijadinho, como filho bastardo, não foi contemplado no testamento. No ano seguinte alistou-se no Regimento da Infantaria dos Homens Pardos de Ouro Preto, onde permaneceu três anos, sem descontinuar sua atividade artística. Neste período recebeu encomendas importantes: o risco da fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, e os púlpitos da Igreja São Francisco de Assis, de Ouro Preto.[10]

Em torno de 1770 organizou sua oficina, que estava em franca expansão, segundo o modelo das corporações de ofícios ou guildas medievais, a qual em 1772 foi regulada e reconhecida pela Câmara de Ouro Preto.[10] Ainda em 1772, no dia 5 de agosto, foi recebido como irmão na Irmandade de São José de Ouro Preto. Em 4 de março de 1776 o governador da Capitania de Minas, Dom Antônio de Noronha, cumprindo instruções do vice-rei, convocou pedreiros, carpinteiros, serralheiros e ferreiros para integrarem um batalhão militar que trabalharia na reconstrução de um forte no Rio Grande do Sul. Aleijadinho teria sido obrigado a atender ao chamado, chegando a se deslocar até o Rio de Janeiro, mas então teria sido dispensado. No Rio providenciou o averbamento judicial da paternidade de um filho que tivera com a mulata Narcisa Rodrigues da Conceição, filho que se chamou, como o avô, Manuel Francisco Lisboa.[10] Mais tarde ela o abandonou e levou o filho para o Rio, onde ele se tornou artesão.[12]

Até então, de acordo com Bretas, Aleijadinho gozara de boa saúde e apreciava os prazeres da mesa e as festas e danças populares, mas a partir de 1777 começaram a surgir os sinais de uma grave doença que, com o passar dos anos, deformou-lhe o corpo e prejudicou seu trabalho, causando-lhe grandes sofrimentos. Até hoje, como já Bretas reconhecera, é desconhecida a exata natureza de seu mal, e várias propostas de diagnóstico foram oferecidas por diversos historiadores e médicos.[13][14] Mesmo com crescente dificuldade, prosseguiu trabalhando intensivamente. Em 9 de dezembro de 1787 assumiu formalmente como juiz da Irmandade de São José.[15] Em 1790 o capitão Joaquim José da Silva escreveu o seu importante memorando para a Câmara de Mariana, parcialmente transcrito por Bretas, onde deu diversos dados sobre o artista, e, testemunhando a fama que então já o acompanhava, saudou-o como

Recibo assinado pelo Aleijadinho quando recebeu o pagamento pela obra dos Profetas. Museu da Inconfidência
"o novo Praxíteles... que honra igualmente a arquitetura e escultura… Superior a tudo e singular nas esculturas de pedra em todo o vulto ou meio relevado e no debuxo e ornatos irregulares do melhor gosto francês é o sobredito Antônio Francisco. Em qualquer peça sua que serve de realce aos edifícios mais elegantes, admira-se a invenção, o equilíbrio natural, ou composto, a justeza das dimensões, a energia dos usos e costumes e a escolha e disposição dos acessórios com os grupos verossímeis que inspira a bela natureza. Tanta preciosidade se acha depositada em um corpo enfermo que precisa ser conduzido a qualquer parte e atarem-se-lhe os ferros para poder obrar".[13]

Anos finais e morte

Em 1796 recebeu outra encomenda de grande importância, para a realização de esculturas da Via Sacra e os Profetas para o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, consideradas a sua obra-prima.[10] No censo de 1804 seu filho apareceu como um de seus dependentes, junto com a nora Joana e um neto.[7] Entre 1807 e 1809, estando sua doença em estado avançado, a sua oficina encerrou as atividades, mas ele ainda realizou alguns trabalhos. A partir de 1812 sua saúde piorou e ele passou a depender muito das pessoas que o assistiam. Mudou-se para uma casa nas proximidades da Igreja do Carmo de Ouro Preto, para supervisionar as obras que estavam a cargo de seu discípulo Justino de Almeida. A esta altura estava quase cego e com as capacidades motoras grandemente reduzidas.[10] Por um breve período voltou para sua antiga moradia, mas logo teve de acomodar-se na casa de sua nora, que de acordo com Bretas se encarregou dos cuidados de que necessitava até que ele veio a falecer, em 18 de novembro de 1814. Foi sepultado na Matriz de Antônio Dias, em uma tumba junto ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte, de cuja festa pouco antes tinha sido juiz.[13]

O homem, a doença e o mito

Aleijadinho foi descrito por Bretas nos seguintes termos:

"Era pardo-escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada, e o gênio agastado: a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa, o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a testa larga, o nariz regular e algum tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes, e o pescoço curto".[13]

Quase nada ficou registrado sobre sua vida pessoal, a não ser que gostava de se entreter nas "danças vulgares" e comer bem, e que amasiou-se com a mulata Narcisa, tendo com ela um filho. Nada foi dito sobre suas ideias artísticas, sociais ou políticas. Trabalhava sempre sob o regime da encomenda ganhando meia oitava de ouro por dia, mas não acumulou fortuna, antes, diz-se que era descuidado com o dinheiro, sendo roubado várias vezes. Por outro lado, teria feito repetidas doações aos pobres. Manteve três escravos: Maurício, seu ajudante principal com quem dividia os ganhos, e mais Agostinho, auxiliar de entalhes, e Januário, que lhe guiava o burro em que andava. Continuando, Bretas relatou que depois de 1777 o artista começou a exibir sinais de uma misteriosa doença degenerativa, que lhe valeu o apelido de Aleijadinho. O seu corpo foi progressivamente se deformando, o que lhe causava dores contínuas; teria perdido vários dedos das mãos, restando-lhe apenas o indicador e o polegar, e todos dos pés, obrigando-o a andar de joelhos. Para trabalhar tinha de fazer com que lhe amarrassem os cinzéis nos cotos, e na fase mais avançada do mal precisava ser carregado para todos os deslocamentos - sobrevivem recibos de pagamentos de escravos que o levavam para cá e para lá, atestando-o. Também a face foi atingida, emprestando-lhe uma aparência grotesca. De acordo com o relato, Aleijadinho tinha plena consciência de seu aspecto terrível, e por isso desenvolveu um humor perenemente revoltado, colérico e desconfiado, imaginando que mesmo os elogios que recebia por suas realizações artísticas eram escárnios dissimulados. Para ocultar sua deformidade vestia roupas amplas e folgadas, grandes chapéus que lhe escondiam o rosto, e passou a preferir trabalhar à noite, quando não podia ser visto facilmente, e dentro de um espaço fechado por toldos. Nos seus últimos dois anos, quando já não podia trabalhar e passava a maior parte do tempo acamado, Bretas disse que, de acordo com o que soube da nora do artista, um lado de seu corpo ficou coberto de chagas, e ele implorava constantemente que Cristo viesse dar-lhe morte e livrar dessa vida de sofrimento, pousando Seus santos pés sobre o seu corpo miserável.[13]

Diversos diagnósticos têm sido propostos para explicar essa doença, todos conjeturais, que incluem entre outras lepra (alternativa improvável, visto que não foi excluído do convívio social, como ocorria com todos os leprosos), reumatismo deformante,[16] sífilis[8] escorbuto, traumas físicos decorrentes de uma queda,[17] artrite reumatóide, poliomielite[18] e porfiria (doença que produz fotossensibilidade - o que explicaria o fato do artista trabalhar à noite ou protegido por um toldo).[19]

Aleijadinho em Vila Rica, 1898-1904, reconstrução romântica de uma cena imaginária na vida do artista, por Henrique Bernardelli. Reprodução na revista Kósmos de tela posteriormente desaparecida

A construção do mito em torno ao Aleijadinho começou já na biografia pioneira de Bretas, que embora alertando para o fato de que quando "um indivíduo qualquer se torna célebre e admirável em qualquer gênero, há quem, amante do maravilhoso, exagere indefinidamente o que nele há de extraordinário, e das exagerações que se vão sucedendo e acumulando chega-se a compor finalmente uma entidade verdadeiramente ideal", não obstante enaltecia suas realizações contra um meio hostil e uma doença acabrunhante.[13] No início do século XX, interessados em definir um novo sentido de brasilidade, os modernistas o tomaram como um paradigma, um mulato, símbolo do rico sincretismo cultural e étnico brasileiro, que conseguira transformar a herança lusa em algo original, e muita bibliografia foi produzida nesse sentido, criando uma aura em torno dele que foi assumida pelas instâncias oficiais da cultura nacional.[20][21]

Um dos elementos mais ativos na construção do "mito Aleijadinho" diz respeito à busca implacável de sinais confirmadores de sua originalidade, de sua "unicidade" no panorama da arte brasileira, representando um acontecimento tão especial que transcenderia até mesmo o estilo de sua época. Contudo, essa busca é uma interpretação peculiar do fenômeno estético que nasceu durante o Romantismo, quando se passou identificar fortemente o criador com sua criação, considerando esta uma propriedade exclusiva daquele, e atribuindo à obra a capacidade de exibir reflexos genuínos da personalidade e da alma individual que a produziu. Todo esse corpo de ideias não existia, pelo menos não na importância que adquiriu, durante os períodos anteriores da história da arte, que primaram pelo sistema da criação coletiva e muitas vezes anônima. A arte tendia a ser considerada um produto de utilidade pública, os clientes determinavam a abordagem a ser empregada na obra, as histórias e motivos não pertenciam a ninguém, e a voz pessoal do artista não devia prevalecer sobre os cânones formais consagrados e os conceitos coletivos que se procurava transmitir, nem o criador podia em linhas gerais reivindicar propriedade intelectual sobre o que escrevia, esculpia ou pintava. A partir, pois, da ascensão do conceito romântico de originalidade, que ainda hoje é largamente arraigado, se construiu toda a crítica posterior e se passou a ver o artista como um gênio singular, que está intimamente fundido com sua obra e da qual é o único árbitro e dono, assumindo a criação um perfil autobiográfico. Até nos dias de hoje parte da crítica tende a projetar uma visão moderna sobre processos mais antigos ocorridos dentro de um contexto em tudo distinto, distorcendo as interpretações e chegando a conclusões enganosas, um problema que afeta diretamente o estudo da vida e obra do Aleijadinho e ainda mais profundamente quando se constata a importância simbólica que ele adquiriu para os brasileiros, uma importância que em boa parte foi erigida a partir dessa mesma distorção analítica que está eivada de contradições estéticas e históricas fundamentais. Não é possível, certamente, ignorar diferenças de capacidade artística ou de estilos individuais mesmo entre artistas pré-românticos como ele, nem se ignora o evidente aparecimento de notas originais e transformadoras na linha do tempo, mas é preciso lembrar que antes do que ser um produto de uma suposta geração espontânea, um gênio nascido do nada e inteiramente original, Aleijadinho pertenceu a uma linhagem, teve antecessores e inspiradores, e foi fruto de um meio cultural que determinava em larga medida como a arte da sua época deveria ser criada, sem que o artista - um conceito que tampouco existia como ele é entendido hoje - tivesse um papel especialmente ativo nessa determinação.[2][22][23]

Também sua doença entrou como elemento importante neste quadro magnificado. Como sintetizou Gomes Junior,

"No Brasil o Aleijadinho não teria escapado a essa representação coletiva que circunda a figura do artista. O relato da parteira Joana Lopes, uma mulher do povo que serviu de base tanto para as histórias que corriam de boca em boca quanto para o trabalho de biógrafos e historiadores, fez de Antônio Francisco Lisboa o protótipo do gênio amaldiçoado pela doença. Obscurece-se sua formação para fixar a ideia do gênio inculto; realça-se sua condição de mulato para dar relevo às suas realizações no seio de uma comunidade escravocrata; apaga-se por completo a natureza coletiva do trabalho artístico para que o indivíduo assuma uma feição demiúrgica; amplia-se o efeito da doença para que fique nítido o esforço sobre-humano de sua obra e para que o belo ganhe realce na moldura da lepra." [24]
Retrato imaginário de Aleijadinho, por Bernardelli

O pesquisador chama a atenção ainda para a evidência documental de recibos assinados em 1796, onde sua caligrafia ainda é firme e desembaraçada, fato inexplicável se aceitarmos o que disse Bretas ou os relatos de viajantes do século XIX, como John Luccock, Friedrich von Woech, Francis de Castelnau e outros, certamente repetindo o que proclamava a voz popular, que diziam ele ter perdido não só dedos, mas até as mãos.[24][25] Chartier, Hansen, Grammont e outros vêm ecoando os mesmos argumentos de Gomes Junior, e Barretto acrescentou, ao que se disse acima, que a figura de Aleijadinho é atualmente um chamariz para o turismo de Ouro Preto em tal medida que sua doença, representada nos livros, é "comercializada" em alguns pontos turísticos da cidade.[23][26][27] Em meio a esta teia de construções biográficas duvidosas mas largamente consagradas pela tradição, diversos estudiosos têm tentado separar fato de lenda, num esforço que iniciou quase ao mesmo tempo em que se erguia o edifício mítico em seu redor, sendo especialmente notáveis os escritos pioneiros de José Mariano Filho e Roger Bastide sobre este tópico, mais tarde secundados por diversos outros como os dos autores antes citados.[24]

Iconografia

Não há notícia de que Aleijadinho tenha sido retratado em vida, mas no início do século XX foi descoberto, na casa de ex-votos do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, um pequeno retrato de um mulato bem vestido, com as mãos ocultas. A obra foi então vendida em 1916 ao comerciante carioca Baerlein como sendo um retrato do artista, e depois de ir parar num antiquário, foi comprada por Guilherme Guinle, quando a esta altura se atribuiu a autoria a Mestre Ataíde. Em 1941 Guinle doou o retrato ao Arquivo Público Mineiro, onde em 1956 foi redescoberto pelo historiador Miguel Chiquiloff, que deu início a uma pesquisa de quase vinte anos para provar sua autenticidade. A conclusão de Chiquiloff foi que a imagem de fato representa Aleijadinho, mas sua autoria foi atribuída a um obscuro pintor, Euclásio Penna Ventura.[28]

Depois disso acendeu-se um grande debate na imprensa, e a opinião pública mineira foi induzida a mostrar-se favorável ao reconhecimento oficial da obra como um retrato autêntico do afamado mestre; a proposta foi inclusive objeto de um projeto de lei que deu entrada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, mas de acordo com um parecer do Conselho Estadual de Cultura, que eximiu-se de julgar um assunto que lhe pareceu fora de sua alçada, o projeto foi vetado pelo governador. Contudo, Assembleia derrubou o veto governamental e aprovou a Lei nº5.984, de 12 de setembro de 1972, reconhecendo o retrato como a efígie oficial e única de Antônio Francisco Lisboa.[28] É a imagem que ilustra a abertura deste artigo. Alguns artistas brasileiros também ofereceram versões conjeturais de sua aparência, entre eles Belmonte[29] e Henrique Bernardelli.[30]

Fonte: Wikipédia